True Detective, talvez uma das maiores apostas da HBO no ano, é ousada pelo formato, que resgata os tempos áureos da TV americana onde o que era visto eram grandes produções curtas e minisséries que utilizavam do tempo a seu favor, mantendo um ritmo que permitisse a construção da narrativa, da estória e dos personagens levando o tempo que fosse necessário.
Aliás, a "lerdeza" de True Detective, como muitos pontuam negativamente, é talvez a sua maior qualidade. Repare que não há absoluta trilha sonora em lugar nenhum, permitindo a ambientação e dando espaço para o silêncio, coisa rara na televisão atual, em que as produções policiais viraram um amontoado de clichês procedurais, com explosões a cada cinco minutos para garantir a atenção do telespectador mais por questões visuais e do shockvalue do que pela qualidade da estória.
Sobre a estória, True Detective utiliza de uma narrativa não-linear dos fatos, intercalando as entrevistas do presente, com os fatos do passado, através de flashbacks não-contínuos e, em partes, fora de ordem. Note aqui o excelente trabalho da equipe de direção liderada por Cary Joji Fukunaga, que em nenhum momento se preocupa com a ordem dos fatos, mas sim como eles interfiriram ou influenciaram em uma ou outra decisão do passado.
A série, conta a história de dois detetives que em 1995 trabalharam juntos na resolução de um caso considerado na época obra satânica: uma prostituta, Dana Lange, com perfurações no abdômen posicionada de joelhos com uma galhada de veado sobre a cabeça com objetos que caracterizam algum tipo de ritual. O metodismo da cena do crime é tão grande que todos os detalhes são importantes, assim como na série em si.
Mas que no período atual em que a série ocorre, 2012, as coisas mudaram nas relações entre os dois policiais: Rust Cohle (Matthew McConaughey), antes um policial quase sociopata com vasto conhecimento baseado em literatura ficcional e solitário, que agora parece bem acabado, enquanto Martin Hart (Woody Harrelson), antes um policial-padrão, pai de família e tudo que os clichês policiais normalmente mostram, agora aparentemente bem sucedido. Aliás, este piloto é um mar de deduções sobre aparências. É impossível você afirmar qualquer coisa sobre qualquer um dos dois protagonistas somente baseado no que vimos no piloto, sem saber ou conhecer sua história atual.
E os fatos do passado também acarretam e interferem na nossa posição de cravar qualquer coisa agora: Rust era solitário e ainda aparenta ser, tem problemas com bebidas e teve uma filha, morta por motivos desconhecidos até então. Já Marty, é o policial típico, com a família perfeita, mas que tem relações extra-conjugais com Lisa Tragnetti (Alexandra Daddario).
Repare aqui que o grande mote deste piloto não é sobre o assassinato em si, mas sim ao que acerca o caso, principalmente nas interações entre os protagonistas e todo o elenco de apoio, bem como a importância da relação entre eles para a resolução do novo caso, similar ao de 1995, com uma cena do crime tão enigmática quanto, com os mesmos elementos que o caracterizaram como um ritual satânico.
O ponto alto do episódio, pra mim, é o jantar entre a família do Hart com o Rust, e como vemos ele agir pela primeira vez de forma sincera, ainda que embriagado por aquele ser o dia em que sua filha completaria mais um ano de vida.
E é aqui onde o maior destaque fica com Matthew McConaughey e em sua atuação. Já podem colocar o nome dele aí na lista dos favoritos a indicação de Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme no Emmy em setembro ou no Globo de Ouro do ano que vem. A caracterização e a personificação, principalmente a segunda, mostram o quão complexo é sua atuação e como ele faz isso parecer brincadeira.
A sua interação com Maggie (Michelle Monaghan), esposa do Hart, é o ponto de sensibilidade e de honestidade do Rust, que se abre pela primeira vez e conta sobre a sua família, dando ao diálogo um tom melancólico tão bonito que preenche a cena de forma belíssima.
Aliás, os diálogos em todos os momentos são deslumbrantes em todos os seus pontos. Eles são provocativos e ricos, adicionando ao elemento locação/ambientação uma característica ainda mais interessante no plano de fundo do episódio.
A respeito do caso de assassinato em si, as coisas não foram muito trabalhadas e você na posição de telespectador não se preocupa muito com isso, porque a principal pergunta que fica na sua cabeça é indagada pelo Rust "atual" em seu interrogatório: "se eles pegaram o criminoso de 1995, como pode o 'novo' crime ser tão parecido?".
É com esse gancho que somos deixados. Sempre com a pulga atrás da orelha a respeito de tudo, o que é louvável para a produção criada por Nic Pizzolatto. Estes oito episódios têm tudo e mais um pouco para se configurarem como a melhor coisa de 2014 na TV mundial e espero que você fique com a sua bunda colada na frente da TV esperando por mais de True Detective.
A primeira temporada de True Detective será composta por oito episódios e o caso será resolvido no final dela. Como a série é uma antologia, se houver uma nova temporada, o formato não-linear será mantido, mas com novos personagens e um novo caso.
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